(Damião Lucena, jornalista e historiador, no Capítulo XII, do livro Patos de todos os tempos*)
O romance em versos foi criado por Silvino Pirauá, que nasceu em Patos no ano de 1848, um dos primeiros a utilizar a sextilha, como novo recurso de cordel, criador do martelo agalopado, que divide a autoria dos folhetos com Leandro Gomes de Barros, natural de Pombal. Segundo Chagas Batista, foi o ilustre sertanejo o autor de clássicos como “História do Capitão do Návio”, “Crispim e Raimundo” (escrito e publicado em 1909, por uma empresa de tipografia do Maranhão, em que Silvino faz uma incursão no campo do Direito Penal), “A Princesa Rosa”, “Zezinho e Mariquinha”, “A Vingança do Sultão”, “As três Moças que quiseram casar com o mesmo Moço” e “Descrições da Paraíba”. Também recriou o célebre desafio ocorrido em Patos entre Francisco Romano Caluête e Inácio da Catingueira.
Outra criação de Silvino Pirauá na cantoria de viola é a deixa, obrigando o cantador a responder o verso, rimando com a última linha do companheiro. Foi ele o responsável pela explosão da cantoria referenciando a região do Teixeira em todo o país, nas duas últimas décadas do século XIX. Começou a cantar aos 15 anos de idade, época em que com a permissão do pai passou a residir com Romano da Mãe D’água, aprendendo o ofício com seis meses e chegando a ser considerado, em determinadas ocasiões, como melhor que o seu mestre.
Pirauá e Romano, que percorreram os Estados do Pará, Amazonas, Maranhão, dentre outros pontos do Nordeste, cantaram juntos até 1891, ano em que o mestre morreu, e passou a fazer dupla com o seu filho Josué.
Aos 50 anos de idade, por conta da grande seca que assolava o Sertão da Paraíba, se transferiu para a cidade do Recife, onde a situação passou a ser pior. Entre os fatos mais lamentáveis recordava a morte da esposa, na capital pernambucana, tendo que cantar um dia inteiro no Mercado São José, para conseguir comprar a mortalha e bancar as despesas do enterro.
Depoimento de Pedro Marinho, publicado na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Patos, nº 4: “Corria o ano de 1902, precisamente o dia 24 de dezembro, data em que se comemora a Festa do Natal, quando a atração principal na cidade de Patos foi uma peleja realizada entre os poetas populares Silvino Pirauá de Lima e José Vicente Rodrigues que passaram toda a noite cantando na Praça da Retreta. No dia seguinte, os cantadores foram se banhar numa cacimba que existia no rio Espinharas, no local denominado de vazante, do comerciante Antônio Cabral, quando encontraram uma raposa pega por um laço – a mesma já vinha comendo há muito tempo melão e melancia do dito terreno. Então, José Vicente Rodrigues, batendo com um cipó na bicha deu um mote: “Tivestes a Sorte de Judas”, no que Silvino Pirauá ajuntou:
Diz o Mundo e eu bem creio, Tú eras quem perseguia
Que o furto é tão infernal O fruto da roça alheia
Que sempre vem a surtir mal Tendo a barriga cheia
A quem pega no alheio. De melão e melancia
Como tú que a furtar veio Pague agora o que devias
Sem pensar na corda muda Sem encontrar quem te acuda
Que o laço da forca aguda Para que mais não te iluda
Que na vazante encontrastes Pague a quem estavas devendo
Fosse a ele e te enforcasses Pra o mundo ficar dizendo
Tivestes a Sorte de Judas. Tivestes a Sorte de Judas.
Já na publicação “Patos em Revista” de agosto de 1961, Avito Araújo descreve um episódio interessante, que originou um mote inesquecível patrocinado por Silvino Pirauá: Em um desses dias que não voltam mais, achava-se bebendo em uma bodega que havia abaixo do sobrado velho, um senhor, conhecido por Capitão Medeiros, e a massa que sorria com a embiaguêz da vítima, imaginou que o mesmo devia ser preso pelas autoridades fantasmas, cadête aguardente, tenente vinho e cabo cachimbo. Fazia parte da reuinião o improvisador Silvino Pirauá Lima, que observando a passagem pela calçada, do poeta José Vicente Rodrigues, avô do intelectual, Dr. Walter Vieira Arcoverde, provoca e recebe a resposta na peleja cultural:
Venha cá José Vicente Estava cadête aguardente
Saber como fogo queima Junto com tenente vinho
Pra me tirar de uma teima Estes dois homens sozinhos
Pois quero ficar ciente Prenderam um de patente
Vejo no meio da gente Cabo cachimbo na frente
Na grande reunião Foi abrindo o alçapão
Vi dar-se voz de prisão Desceu logo no porão
A um poderoso indefeso Um homem patenteado
Por qual motivo foi preso Todos dizem no sobrado
O pobre do capitão Vi prender um capitão
Chamado de “O Enciclopédico” pelos seus contemporâneos, Silvino Pirauá de Lima, morreu em Bezerros – PE, em 1913, vítima de infecção causada por bexiga, aos 65 anos de idade.
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