O envolvimento dos Bolsonaros em manifestações golpistas em plena pandemia mostra que o clã presidencial está acuado

By | 04/05/2021 9:01 am

Demonstração de fraqueza

04 de maio de 2021 | 03h00

Mais uma vez, o presidente Jair Bolsonaro associou-se a manifestações de caráter claramente golpista. O mote dos protestos, realizados no sábado em diversas capitais, foi resumido na palavra de ordem “Eu autorizo” – referência a uma recente declaração de Bolsonaro segundo a qual ele estava apenas esperando um “sinal” do “povo” para “tomar providências”, pois “o Brasil está no limite”. Os manifestantes, portanto, deram sua “autorização” para Bolsonaro agir.

É ocioso especular sobre a representatividade das manifestações a partir de seu tamanho – que, ademais, não foi mensurado. Mas pode-se afirmar que, ao contrário de demonstrar força, os protestos revelaram a fraqueza crescente do governo.

As manifestações antecederam a semana em que estão previstos os depoimentos de todos os ex-ministros da Saúde do governo Bolsonaro e do atual, Marcelo Queiroga, na CPI da Pandemia. Ou seja, foram programadas com o claro objetivo de intimidar os senadores que vão começar a levantar questões potencialmente embaraçosas para o governo.

Sem articulação política decente no Senado, o governo vem sofrendo sucessivas derrotas. Foi incapaz de impedir que a CPI ganhasse assinaturas suficientes para sua instalação, não conseguiu influenciar a indicação dos integrantes da comissão e ainda fez o papelão de tentar impedir na Justiça, sem sucesso, a indicação do desafeto Renan Calheiros para a relatoria.

A Bolsonaro restou, portanto, contar com a truculência de suas falanges para transformar a política em briga de rua. É o recurso de quem perdeu quase toda a sua já escassa capacidade de interlocução nas instituições democráticas, reduzindo de forma drástica seu poder de influenciar o debate nacional. Cada vez menos brasileiros levam o presidente a sério.

É por isso que Bolsonaro tornou a ameaçar com “providências” caso o “povo” lhe desse uma “sinalização”. Como costuma acontecer, o presidente não disse com todas as letras quais seriam essas “providências”, mas, nas outras oportunidades em que fez as mesmas ameaças, mencionou sua condição de “chefe supremo das Forças Armadas” e chegou a falar do Exército como se fosse sua guarda pretoriana.

Ou seja, Bolsonaro deixa no ar a possibilidade de articular um golpe – tal como defenderam explicitamente seus simpatizantes nas manifestações de sábado – com o argumento de que as instituições democráticas não o deixam governar, situação que, segundo a versão bolsonarista, levou o País à beira do caos.

No momento, o único caos está no Palácio do Planalto. O resto do País enfrenta com bravura e serenidade a enorme crise que o bolsonarismo agravou. A despeito da fome, do desemprego, da escassez de vacinas e da falta de perspectivas, não se vê entre os brasileiros o nível de inquietação que Bolsonaro aponta. Na verdade, o presidente parece ávido por um pretexto para exercitar sua vocação autoritária.

É aí que entram os manifestantes que foram às ruas para “autorizar” Bolsonaro a tomar “providências”. Esses seriam o “povo” de que fala o presidente, razão pela qual Bolsonaro os prestigiou sobrevoando um dos protestos a bordo de um helicóptero da Força Aérea. Não lhe pareceu imprudente vincular-se a um ato que chamou o Supremo Tribunal Federal de “organização criminosa”, entre outras barbaridades.

Um dos filhos do presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro, foi mais longe e, com a máscara no queixo, discursou num carro de som. Outro filho, o senador Flávio Bolsonaro, que criticou a instalação da CPI da Pandemia sob o argumento de que promoveria aglomeração e colocaria a vida dos senadores em risco, elogiou em suas redes as “ruas lotadas em todo o Brasil” – ocupadas por gente aglomerada e sem máscara.

O envolvimento dos Bolsonaros em irresponsáveis manifestações golpistas em plena pandemia mostra que o clã presidencial, acuado, está decidido a dobrar a aposta tanto no desafio à democracia como no menosprezo pela vida de seus compatriotas. Cabe à CPI, bem como às instituições de Estado, impedir, serenamente, que esse repto prospere.

 

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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