Uma distorção para corrigir outra distorção (confira comentário nosso)

By | 06/05/2025 3:24 pm
Imagem ex-librisO presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), recorreu a um “esforço concentrado” para votar o requerimento que acelera o andamento do projeto de lei que redistribui o número de deputados federais no Brasil. Uma vez aprovado o regime de urgência, o projeto, de autoria da deputada Dani Cunha (União Brasil-RJ), pode ser votado no plenário da Câmara sem necessidade de passar pelas comissões da Casa. A proposta cria 14 novas vagas de deputados, passando das atuais 513 cadeiras para 527.

A pressa de Hugo Motta se explica: em 2023, o Supremo Tribunal Federal entendeu ser necessária uma redistribuição no número de parlamentares, de acordo com aumento populacional demonstrado no Censo Demográfico de 2022, e deu até o próximo dia 30 de junho para que a Câmara faça a devida atualização do número de cadeiras. Caso contrário, caberá ao Tribunal Superior Eleitoral fazê-lo.

O que não se explica é a marotagem em curso. A Constituição federal determina que o número de deputados deve ser proporcional à população, com mínimo de oito e máximo de 70 parlamentares por Estado. A distribuição das atuais 513 cadeiras foi feita em 1993, mas a atualização periódica prevista em lei nunca ocorreu. Ao pé da letra, a redistribuição significaria a abertura de novas vagas para Estados em que a população cresceu, e a consequente redução de cadeiras para Estados que sofreram queda no número de habitantes. Com efeito, sete Estados ganhariam deputados (Amazonas, Ceará, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso, Pará e Santa Catarina) e outros sete perderiam representantes (Alagoas, Bahia, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e a Paraíba de Hugo Motta).

Mas seria esperar demais de deputados que fechem vagas na Câmara – sobretudo no caso de parlamentares eleitos nos Estados que perderiam assentos – apenas porque assim manda a Constituição. Tanto que se produziu a manobra expressa no projeto da deputada Dani Cunha, com a anuência do presidente da Câmara e de todos os partidos com representação na Casa, exceto o Novo: ampliam-se as vagas para os casos em que houve crescimento da população, mas se preservam as cadeiras que deveriam ser fechadas. E assim a Câmara dos Deputados, que já não é pequena se considerada a proporção em relação à população do País, ficaria ainda mais desigual. Os EUA, por exemplo, têm população maior e menos parlamentares, com 435 deputados para cerca de 340 milhões de habitantes.

Esse, porém, é o menor dos problemas, assim como o custo anual adicional: segundo o Instituto Millenium, o orçamento da Câmara, considerando cotas parlamentares, salários, ajuda de custo, encargos trabalhistas com assessores e outros benefícios, deve aumentar de R$ 1,68 bilhão para R$ 1,73 bilhão anual. O mais grave é o casuísmo escolhido para driblar as regras da redistribuição de cadeiras, além da pressa para corrigir uma inação de anos. Além disso, o projeto agravaria o que já é um desvio histórico do sistema representativo brasileiro: a distorção entre a população (ou eleitorado) e o número de representantes.

Trata-se de uma patologia institucional de longa data. Desde as primeiras legislaturas, do Império e início da República, viola-se no País o princípio democrático de que todos os cidadãos tenham votos com valores iguais – em suma, a máxima “uma pessoa, um voto”. Tanto a definição de um número mínimo de representantes (oito por Estado) quanto a ausência de atualização periódica fizeram com que Estados mais populosos, especialmente São Paulo, ficassem sub-representados, enquanto Estados menores, sobretudo aqueles da Região Norte e alguns do Nordeste, tornaram-se sobre-representados.

Na matemática da representação brasileira, nem sempre um voto num lugar vale o mesmo que um voto em outro. O saldo final é o evidente prejuízo imposto a alguns em detrimento de outros. Mas, no universo singular da Câmara dos Deputados do Brasil, uma distorção se corrige com outra distorção.

Comentário nosso – Hugo Motta dá uma prova de que gosta de um “arrumadinho”. Ao invés de rearumar a Câmara dos Deputados, obedecendo a Constituição que determina que o 513 deputados federais devem estar distribuídos de acordo com as populações do Estado, está apadrinhando ‘”aquele jeitinho brasileiro”. Um projeto de lei que cria mais quatorze vagas para que Estados que perderiam deputados por suas populações terem relativamente sido reduzidas, caso da Paraíba, Alagoas, Bahia, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul. Ou seja, ao invés de procurar apenas redistribuir os deputados, tirando dos Estados que perderam população para para os Estados que ganharam população, vai criar mais quatorze vagas, com as respectivas despesas. Ou seja, quer aumentar a quadrilha dos que vivem desviando o dinheiro público. (LGLM)

Category: Blog

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde 09 de março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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