O erro das escolas cívico-militares

By | 14/07/2023 9:00 am
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O governo federal comunicou aos secretários estaduais de Educação, no dia 10 passado, o encerramento do Programa Nacional de Escolas Cívico-Militares (Pecim). Criado em 2019 por um decreto do presidente Jair Bolsonaro, o programa encaixava-se com perfeição no ideário bolsonarista. Tratadas como sinônimo de balbúrdia e antro de “esquerdistas”, as escolas públicas precisariam de ordem e de disciplina e, sob a ótica do saudosismo da ditadura, ninguém melhor do que os militares para levar a cabo essa missão. O programa fomentava a implantação de um modelo cívico-militar, no qual a gestão das escolas públicas ficaria a cargo de militares.

São muitos os erros contidos na proposta de militarização do ensino, a começar pela ideia de que o problema das escolas públicas seria político-ideológico. Na verdade, mais do que um diagnóstico sério sobre a educação brasileira, isso é parte do discurso eleitoral de Jair Bolsonaro. Nesse sentido, o Pecim tem uma deficiência estrutural em seu objetivo. Em vez de atender a razões pedagógicas, ele busca instrumentalizar as escolas para fins eleitorais.

A segunda grande deficiência do Pecim era a notória incompatibilidade entre os meios e os fins propostos. O programa vinha implantar, até o fim de 2022, 216 escolas administradas por militares – um número ínfimo em relação ao universo de mais de 178 mil escolas públicas no Brasil. Ou seja, o programa, por seu próprio desenho, era incapaz de promover, como oficialmente proposto, “a educação básica de qualidade aos alunos das escolas públicas regulares”. Seu pequeno alcance permitia apenas, eis a dura realidade, criar alguns nichos dentro do sistema.

Constata-se aqui mais do que simples problema de proporção entre meios e fins, o que já seria grave. Havia uma compreensão equivocada de política pública, na qual o foco não são todos os cidadãos ou os mais necessitados, mas apenas os mais alinhados ideologicamente ao governo.

O grande problema do Pecim está, no entanto, na própria ideia de que a militarização das escolas seria um caminho de aperfeiçoamento do ensino público. A missão institucional das Forças Armadas não é prover educação aos jovens, e sim defender a Pátria. O mesmo se aplica às Polícias Militares: não é seu papel cuidar de escola.

Existem colégios militares, alguns de reconhecida excelência acadêmica, criados fundamentalmente para atender as famílias dos membros das Forças Armadas. Mas a educação pública deve ser civil, sob administração civil e orientação pedagógica também civil. É equivocado achar que os problemas da sociedade e do Estado devem ser resolvidos pelos militares. É responsabilidade do poder civil – e, portanto, da própria sociedade civil, que elege seus representantes políticos – assegurar educação de qualidade a todas as crianças e jovens.

Por todos esses motivos, fez bem o governo federal em extinguir o Pecim, dando início a um processo de transição, que inclui, além da desmobilização de pessoal das Forças Armadas dedicado aos colégios, medidas para permitir o normal encerramento do ano letivo nessas escolas, sem que os alunos sejam prejudicados.

Tão logo houve o anúncio do fim do Pecim, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, prometeu editar um decreto para “regular o seu próprio programa de escolas cívico-militares e ampliar unidades de ensino com este formato”. É compreensível que, valendo-se do princípio federativo, Tarcísio de Freitas queira aproveitar a ocasião para agradar à parte de sua base eleitoral. Cada Estado tem autonomia para desenvolver suas próprias políticas educacionais.

No entanto, as ressalvas do Pecim valem também para os programas estaduais. A militarização de escolas não é resposta suficiente nem adequada para a melhoria da educação. Educar bem não é criar nichos de segurança à base de disciplina militar. O caminho da excelência educativa é outro, já que a meta não é formar soldados, e sim cidadãos autônomos e responsáveis. A educação na liberdade não é uma opção, mas condição de toda verdadeira educação.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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