Rede de ódio desvendada

By | 09/06/2021 5:39 pm

Retirada do sigilo do inquérito sobre manifestações golpistas dá direito de indagar quais seriam os motivos que levaram a PGR a requerer o arquivamento

(Editorial dO Estado de S. Paulo, 09 de junho de 2021)
Estranhamente, após cinco meses de absoluto silêncio, a Procuradoria-Geral da República (PGR) requereu ao Supremo Tribunal Federal (STF) o arquivamento do inquérito que apura responsabilidades pela organização e financiamento de manifestações golpistas ocorridas em abril do ano passado, incluindo um sórdido ataque ao edifício-sede da Corte Suprema.

As razões alegadas pela PGR para pugnar pelo encerramento do inquérito são frágeis e incongruentes em relação aos achados da Polícia Federal (PF) no curso das investigações (ver editorial Visões muito discrepantes, publicado em 8/6/2021). O ministro relator, Alexandre de Moraes, determinou que a PGR “esclareça o alcance do pedido”, mas deverá acatá-lo, haja vista que, de acordo com a jurisprudência do STF, um pedido desta natureza é “irrecusável”.

Mas, se não pode deixar de acatar o pedido de arquivamento feito pelo parquet, o ministro relator pode trazer à luz o minucioso esquema de desinformação e destruição de reputações que foi montado na antessala do presidente da República com o objetivo de corroer a confiança dos brasileiros nas instituições pátrias, desqualificar adversários e críticos de Jair Bolsonaro e, consequentemente, depreciar o próprio valor da democracia. E foi exatamente o que Alexandre de Moraes fez na sexta-feira passada.

O funcionamento da rede de trolls – usuários inautênticos que, por meio das redes sociais e de aplicativos de mensagens, como o WhatsApp e o Telegram, disseminam falsidades, distorções e ataques contra adversários do presidente Jair Bolsonaro e de sua prole de encalacrados com a Justiça – foi esmiuçado pela delegada Denisse Dias Rosas Ribeiro ao longo das mais de 150 páginas de seu relatório. O que a PGR não enxergou como conjunto de indícios robustos o bastante para “apontar para a participação de deputados e senadores nos supostos crimes investigados” agora vem a público pela decisão do ministro Alexandre de Moraes de retirar o sigilo do inquérito que tramita no âmbito da Corte Suprema.

“Embora a necessidade de cumprimento das numerosas diligências determinadas exigisse, a princípio, a imposição de sigilo à totalidade dos autos, é certo que, diante do relatório parcial apresentado pela autoridade policial – e com vista à Procuradoria-Geral da República desde 4/01/2021 – não há necessidade de manutenção da total restrição de publicidade”, escreveu o ministro relator em seu despacho.

Como revelou o Estado, a PF identificou mais de mil acessos àquelas contas inautênticas nas redes sociais feitos a partir de computadores instalados em órgãos públicos e até na residência privada da família Bolsonaro na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro. A polícia identificou ainda acessos a contas e páginas que disseminam desinformação e ataques ao Estado Democrático de Direito oriundos de gabinetes de deputados e senadores, e até mesmo de instalações militares. Ora, se isto não é razão forte o bastante para ensejar o prosseguimento das investigações, como pleiteia a PGR, o que seria, afinal?

A PGR, ao que parece, contentou-se com a mera abertura do inquérito para apurar atos que pregam a instauração de uma ditadura militar no País, fechamento do Congresso e do STF. No entender do parquet, só isto já teria um “efeito dissuasório” esperado, não sendo necessário apurar responsabilidades pelos crimes. Ora, ingenuidade não é. Justificativa dessas chega a ser ofensiva à inteligência alheia.

Ao retirar o sigilo sobre o inquérito, o ministro Alexandre de Moraes deu aos cidadãos o direito de indagar, à luz de tantos indícios que pesam sobre pessoas próximas ao presidente da República, quais seriam os reais motivos que levaram a PGR a requerer o arquivamento do inquérito, e não o aprofundamento das investigações, como deveria. Não é demais relembrar a missão precípua do Ministério Público: a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Os fatos em apuração no referido inquérito afrontam diretamente estes valores resguardados pela Constituição.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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