É difícil imaginar Bolsonaro passando a faixa presidencial’

By | 10/05/2021 10:15 am

Com todas as letras

Jair Bolsonaro diz que não haverá eleição sem votos impressos e chamou País de “republiqueta”. Difícil imaginá-lo passando a faixa presidencial a quem quer que seja

(Notas & Informações, O Estado de S. Paulo,10 de maio de 2021 | 03h00)
O presidente Jair Bolsonaro classificou o Brasil como “republiqueta”. É espantoso que o político a quem foi conferida pelos eleitores a nobre tarefa de governar o Brasil tenha uma opinião tão desairosa sobre o País. A República brasileira tem muitos problemas – e em vários momentos, graças, sobretudo, a Bolsonaro, de fato se parece muito com uma republiqueta –, mas aqui ainda há uma Constituição, há instituições democráticas e há liberdade. E é justamente por ter esse sólido arcabouço democrático que os reptos autoritários de Bolsonaro, por mais tumulto que causem, serão, como têm sido, serenamente repelidos.

Isso não significa que o presidente se sinta dissuadido e afinal pare de desafiar a ordem constitucional que jurou respeitar ao tomar posse. Na mesma ocasião em que demonstrou seu desprezo pela República, Bolsonaro avisou que, se não for aprovado o “voto impresso” em lugar da urna eletrônica, “não vai ter eleição” no ano que vem.

“Ninguém mais aceita esse voto que está aí. Como é que vai falar que esse voto é preciso, legal, justo e não fraudado? A única republiqueta do mundo é a nossa, que aceita essa porcaria de voto eletrônico. Tem que ser mudado. E digo mais: se o Parlamento aprovar e promulgar, vai ter voto impresso em 2022, e ponto final. Não vou nem falar mais nada. Vai ter voto impresso. Se não tiver voto impresso, é sinal de que não vai ter eleição. Acho que o recado está dado”, disse Bolsonaro.

Não é a primeira vez que Bolsonaro lança dúvidas sobre a lisura das eleições com urnas eletrônicas. Frequentemente declara ter certeza de que a eleição presidencial de 2018 foi fraudada para impedir que ele vencesse já no primeiro turno. Em março de 2020, chegou a dizer que tinha “provas” dessa fraude e que as apresentaria “brevemente”. Mais de um ano se passou e as “provas”, obviamente inexistentes, não foram mostradas.

Bolsonaro segue incansável em sua campanha contra as urnas eletrônicas, a despeito dos inúmeros atestados de que o sistema é confiável, mas agora foi bem mais longe. Com todas as letras, ameaçou tumultuar a própria realização das eleições.

O presidente e seus fanáticos camisas pardas acalentam essa ideia há muito tempo, mas o projeto liberticida ganhou força com a tentativa de golpe liderada por Donald Trump, ídolo de Bolsonaro, nos Estados Unidos. Na campanha pela reeleição, o então presidente Trump disse diversas vezes que só perderia se houvesse fraude. Uma vez que as urnas indicaram sua derrota, Trump incitou seus seguidores a contestar a votação e a invadir o Capitólio, sede do Congresso norte-americano, para impedir a consagração do resultado.

É sintomático que Bolsonaro tenha sido um dos últimos chefes de Estado a reconhecer a vitória de Joe Biden nos Estados Unidos e um dos únicos a alinhar-se a Trump na contestação do resultado. Com isso, o presidente brasileiro manteve coesa e excitada sua base radical, maravilhada com sua ousadia de questionar a eleição de Biden, colocando sua agenda lunática acima do bom senso, da etiqueta diplomática e do interesse público.

Esse gesto temerário do presidente serviu para antecipar a estratégia bolsonarista para a eleição de 2022. Na hipótese de derrota, está claro que Bolsonaro não aceitará o desfecho – mesmo se houver o tal “voto impresso”. Na insanidade de seus fanáticos seguidores, Bolsonaro encarna o povo, razão pela qual é simplesmente impossível que esse povo escolha outro candidato.

Trata-se de uma crise contratada desde que se elegeu presidente um homem que jamais respeitou o Exército quando militar nem respeitou as instituições democráticas quando parlamentar.

É preciso uma grande dose de otimismo para imaginar Bolsonaro, veteraníssimo provocador dos limites da democracia, passando a faixa presidencial a quem quer que seja – especialmente se o vencedor da eleição for um dos muitos políticos que ele trata como inimigos mortais. Sua escalada retórica praticamente impede um recuo. “O recado está dado”, advertiu Bolsonaro. Seria imprudente ignorá-lo.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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