Se é verdade que na política os juízes podem não ser inocentes, assim como os acusados e as testemunhas, também é que o depoimento de Gomes desnuda a República em seu labirinto
Ao sentar-se como testemunha de acusação em um processo sobre uma tentativa de golpe de Estado depois de ter comandado o Exército, o general parecia encenar o fim de uma época, como o Bolívar descrito por Gabriel García Márquez em O General em seu labirinto. Ao publicá-lo, o escritor foi acusado de desnudar o general, de apresentá-lo humano demais, enquanto viajava pelo Rio Magdalena, recolhendo os passos de sua vida. Não só de sua carreira. Freire Gomes tratou ao sentar-se diante de Moraes. Fez mais: sem querer, visitou a história da República.
A cada momento em que o general reafirmou o que dissera em depoimento à PF, desnudando a ação de Bolsonaro ao buscar envolver o Exército na trama golpista, toda uma época republicana parecia se fechar em uma viagem até Santa Marta, deixando para trás o tempo em que o Poder Militar e parte de seus integrantes imaginavam julgar e corrigir o Poder Civil. Tempo de rebeliões armadas, de golpes de Estado e de ditaduras.

Freire Gomes pôde parecer pouco enfático em relação a dois dos réus: Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa, e o almirante Almir Garnier, ex-chefe da Marinha. Afirmou que este demonstrou lealdade a Bolsonaro, o que significaria apoio à ordem do golpe. Quem acha pouco seu depoimento não compreendeu o alcance do processo para a história do País e continua a tratá-lo apenas da ótica de inocentes e culpados, em vez de visualizar a República desnuda em seu labirinto.