
A comparação confirma uma das facetas do evangelho: Lula e o PT nunca souberam dividir o poder. Nem mesmo o peso da chamada “frente ampla” para que Lula conseguisse derrotar Bolsonaro por uma diferença de apenas 2,1 milhões de votos foi suficiente para o presidente fazer jus à ideia de coalizão que sedimentou a história recente da democracia brasileira. Acreditou quem quis na ideia de que Lula iniciaria o novo mandato de forma diferente. Em 2023, ao tomar posse, a coalizão governista exibia a marca de 14 partidos, dez dos quais ocupavam ministérios. O PT detinha dez pastas, ou 27% dos ministérios, mas, em compensação, o número de ministros sem filiação partidária chegava a 11, ou quase 30%, e ainda assim muitos deles apresentavam notória proximidade com o PT – o que restava pouco para os demais partidos.
Apesar desta sina longeva do lulopetismo, há uma novidade mais grave no atual mandato, expressada numa soma de fatores que explicam a concentração de poder ainda maior nas mãos do PT. Lula é hoje um presidente mais desconfiado dos aliados que o cercam, precisa lidar com um Congresso mais poderoso e independente dos recursos do Executivo, em razão das regras de imposição das emendas parlamentares, e, por fim – mas não menos importante –, parece mais fatigado com a lida parlamentar. Em abril, este jornal mostrou que, no atual mandato, Lula se reúne bem menos com deputados e senadores do que Bolsonaro, Michel Temer e até mesmo Dilma Rousseff, que nunca foi propriamente conhecida por sua habilidade e pendor para a articulação com o Legislativo. A agenda presidencial revela um presidente mais autocentrado do que nunca, com nenhuma paciência para as rotinas do governo e com pouca disposição para receber e negociar com parlamentares.
Mesmo nos poucos casos em que Lula atraiu partidos mais à direita para o seu governo, a adesão se deu por meio de alas minoritárias dessas siglas, sem o aval das cúpulas nacionais – o que explica a dificuldade crescente de manter a coesão nas votações partidárias no Congresso em favor do governo. Não à toa, com indisfarçável frequência, União Brasil, PP, MDB, PSD e Republicanos não só se posicionam contra o governo em votações relevantes, como alguns deles apresentam pré-candidatos que podem se opor a Lula em 2026. A dificuldade para manter a base governista não se resume hoje aos partidos poderosos do Centrão, cuja agenda está longe de coincidir com a do PT. Lula tem sido fustigado até por legendas de baixa estatura, como se viu no recente desalinhamento do PDT por ocasião da demissão de Carlos Lupi do Ministério da Previdência Social.
Evidências científicas informam que, quanto maior o número de partidos, quanto mais ideologicamente heterogêneos forem e mais desproporcional for a distribuição de poder e de recursos entre eles, maiores serão os problemas no manejo e no sucesso de uma coalizão. Assim, Lula deveria exibir maior, e não menor, disposição para dividir poder com aliados – próximos ou não à estatolatria do presidente e do PT. Mas talvez fosse esperar demais de um líder político e de um partido que, convictos de que detêm o monopólio da virtude, também monopolizam o exercício do poder. E, como se sabe, quando o PT ganha, o Brasil perde.
Comentário nosso – Lula não conseguiu até agora ser pior do que Bolsonaro, mas não está longe disso. Está deixando de administrar o país, para se preocupar com as chances do partido nas próximas eleições e sua própria reeleição. Ou seja está no mesmo caminho de Bolsonaro, só que até agora não pensou em dar um golpe. Já votei em Lula umas dez vezes, mas só votarei nele outra vez se o adversário mostrar que pode ser pior do que ele. (LGLM)