
Em sua primeira audiência com jornalistas, apenas quatro dias após o conclave, Leão XIV escolheu um tema que é, simultaneamente, espiritual e político: a comunicação como ferramenta de paz. E não apenas paz no sentido diplomático, mas paz enraizada na justiça, na dignidade e na verdade. “Somente os povos informados podem fazer escolhas livres”, declarou o pontífice. Essa não é apenas uma afirmação jornalística – é uma defesa inequívoca da liberdade como valor moral.
Com sua ênfase na verdade como precondição da liberdade, Leão XIV retomou a lição de Jesus Cristo: “Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (João 8:32). Essa afirmação, feita diante de milhares de profissionais da imprensa reunidos no Vaticano, ecoa com força num tempo em que regimes autoritários criminalizam a apuração jornalística e plataformas digitais amplificam vieses com algoritmos opacos.
Não por acaso, o novo papa pediu a libertação de jornalistas presos mundo afora apenas por “terem desejado contar a verdade”. A frase pode parecer simples, mas carrega o peso da tradição cristã e o compromisso histórico da Igreja com os perseguidos. Evocando o espírito dos apóstolos diante do Sinédrio, Leão XIV parece afirmar com eles: “Não podemos deixar de falar sobre o que vimos e ouvimos” (Atos 4:20).
Num mundo saturado de ruído e manipulação, o jornalismo responsável se torna um bem escasso – e, por isso mesmo, precioso. A imprensa livre é como a lâmpada que “não se acende para colocá-la debaixo do cesto” (Mateus 5:15), mas para iluminar o caminho comum. Quando o poder tenta sufocar a verdade, o jornalismo precisa acender sua luz. E quando o medo cala a sociedade, cabe à palavra livre romper o silêncio.
A tradição cristã oferece duas imagens que ajudam a compreender os dilemas atuais da comunicação. A Torre de Babel simboliza o uso arrogante e instrumental da linguagem, que gera confusão e divisão. O Pentecostes, em contraste, representa o dom da palavra que une na diversidade, tornando inteligível o essencial. Leão XIV, ao reafirmar a tradição do Pentecostes, propõe um modelo de comunicação orientado não pela imposição ideológica, mas pela escuta, pela clareza e pela busca do bem comum.
É reconfortante que este novo pontificado comece com uma mensagem tão clara. Em vez de alimentar ressentimentos ou promover narrativas de confronto, Leão XIV está sinalizando um papado de firmeza sem fanatismo, de autoridade moral sem autoritarismo.
A doutrina social da Igreja sempre defendeu que o bem comum depende da circulação livre da verdade. Informação confiável não é um luxo: é o alicerce das escolhas democráticas, da justiça social e da dignidade humana. Não por acaso, os regimes que mais temem a liberdade de imprensa são também os que mais atentam contra a vida, a fé e os direitos de seus cidadãos.
O papa não citou países, mas os números falam por si: centenas de jornalistas estão presos, muitos em países que se dizem democráticos. A mensagem do Vaticano é clara: não há como falar em liberdade, paz ou verdade sem proteger aqueles que se dedicam a revelá-las.
Mas o alerta de Leão XIV também se dirige, de forma sutil, à própria imprensa. “O modo como comunicamos é de importância fundamental”, afirmou. “Devemos dizer ‘não’ à guerra das palavras e das imagens; devemos rejeitar o paradigma da guerra.” Ao defender o jornalismo como ponte, e não como trincheira, o papa propõe uma ética da comunicação fundada na verdade, na escuta e na responsabilidade.
O jornalismo, como este jornal sempre defendeu, deve ter a liberdade de incomodar, denunciar e esclarecer. Não há pacto social legítimo fundado sobre a mentira. Mas, se é legítimo exigir compromisso com a verdade da classe política, é igualmente essencial que a imprensa cultive integridade, rigor e autocrítica.