
A manobra é proibida, salvo exceções, mas, como é comum na onírica realidade de Brasília, a exceção virou regra. Na prática, ela faz com que as emendas de bancada, originalmente criadas para financiar projetos de impacto regional, sigam a mesma lógica das chamadas emendas individuais: distribuição pulverizada para prefeituras e foco em redutos eleitorais e nas alianças locais dos parlamentares, além da facilidade de execução mais rápida, o que tende a gerar dividendos políticos supostamente maiores. “Elas foram criadas para financiar obras coletivas, que não são possíveis de executar por meio das emendas individuais. Transformá-las em repasses pulverizados é desvirtuar completamente esse propósito”, afirmou o pesquisador do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) Humberto Nunes Alencar, que compilou os dados.
O “erro” começa no início da tramitação do Orçamento no Congresso, momento em que os parlamentares indicam os destinos das emendas do ano seguinte. Por lei, toda emenda de bancada fica vinculada a um ministério, que executa os recursos nos Estados. A limitação, no entanto, é burlada por meio de uma manobra recorrente: com o Orçamento aprovado, coordenadores de bancada pedem à pasta que divida uma única emenda de bancada em dezenas de repasses para prefeituras. Com um governo de base frágil e, portanto, sempre disposto a evitar fissuras no Congresso, os ministérios praticamente só carimbam a artimanha. Para 2025, a previsão é de que essa modalidade movimente R$ 14,2 bilhões, montante que o governo federal é obrigado a pagar desde 2019.
O desvirtuamento de propósito tem sido peça frequente da marotagem parlamentar que distorce o Orçamento público. No caso das emendas de bancada, por exemplo, como também mostrou este jornal, de 2020 a 2024 foram mais de R$ 51 bilhões distribuídos entre os Estados sem critérios técnicos na divisão dos recursos, como a população, o nível de arrecadação de impostos e indicadores socioeconômicos. O esforço para criar diques de contenção ao problema das emendas parlamentares começou em 2021, quando o Estadão revelou a existência de um sofisticado esquema de compra de apoio urdido pelo governo de Jair Bolsonaro e pela caciquia do Congresso – o chamado “orçamento secreto”.
O STF declarou sua inconstitucionalidade em dezembro de 2022, mas se descobriu que a prática seguiu firme no governo de Lula da Silva, com ministérios transferindo dinheiro para municípios sob ordens de deputados e senadores e fora do alcance de controles institucionais claros e precisos. Recentemente, o STF, em ação liderada pelo ministro Flávio Dino em acordo com os presidentes da Câmara e do Senado, impôs regras mais rígidas e exigências de maior transparência na definição e uso dos recursos do Orçamento. Como se nota, porém, o raio de ação dos cupins da República é amplo o suficiente para seguir inquietando o País, abrindo brecha sobre brecha.
Há muito o que corrigir, e não só entre os ardis do Congresso. Não é boa para o País a continuidade desse arranjo institucional degenerado que confere aos parlamentares um poder inaudito sobre o Orçamento federal sem a contrapartida da devida responsabilização.
Comentário nosso – O Estadão usa um eufemismo para se referir aos ladrões do Congresso Nacional, chama-os de cupins. Cupim come devagarinho e leva anos para destruir um pedaço de madeira. Os ladrões do Congresso da “dentada” de milhões e ficam cada vez mais ricos, enquanto os cupins continuam cupins pelos seus dois anos de vida. Contra os cupins há vários venenos, contra parlamentar ladrão só existe o voto para derrotá-lo. (LGLM)