A criatividade inesgotável dos cupins da República (confira comentário nosso)

By | 17/05/2025 5:51 am
Imagem ex-librisQuando se trata da deformação do manejo do Orçamento da União para atender aos interesses particulares dos parlamentares, a criatividade do Congresso parece infinita. Além do longo rol de problemas que envolveram a ampliação, imposição e diversificação das emendas nos últimos anos, felizmente agora com regras mais rígidas a partir da pressão pública e da atuação do Supremo Tribunal Federal (STF), o Estadão mostrou nos últimos dias um outro tipo de ardil criado pelos congressistas: parte das chamadas “emendas de bancada estadual”, originalmente destinadas a financiar projetos estruturantes de interesse dos Estados, como a construção de hospitais e rodovias, passou a ser usada fora de sua finalidade original. Entre 2017 e 2024, foram quase R$ 20 bilhões registrados inicialmente de forma genérica, como se os recursos fossem destinados a governos estaduais, e depois redirecionados para prefeituras. O resultado é a pulverização das emendas entre mais de 4 mil municípios, desvirtuando a sua função original.

A manobra é proibida, salvo exceções, mas, como é comum na onírica realidade de Brasília, a exceção virou regra. Na prática, ela faz com que as emendas de bancada, originalmente criadas para financiar projetos de impacto regional, sigam a mesma lógica das chamadas emendas individuais: distribuição pulverizada para prefeituras e foco em redutos eleitorais e nas alianças locais dos parlamentares, além da facilidade de execução mais rápida, o que tende a gerar dividendos políticos supostamente maiores. “Elas foram criadas para financiar obras coletivas, que não são possíveis de executar por meio das emendas individuais. Transformá-las em repasses pulverizados é desvirtuar completamente esse propósito”, afirmou o pesquisador do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) Humberto Nunes Alencar, que compilou os dados.

O “erro” começa no início da tramitação do Orçamento no Congresso, momento em que os parlamentares indicam os destinos das emendas do ano seguinte. Por lei, toda emenda de bancada fica vinculada a um ministério, que executa os recursos nos Estados. A limitação, no entanto, é burlada por meio de uma manobra recorrente: com o Orçamento aprovado, coordenadores de bancada pedem à pasta que divida uma única emenda de bancada em dezenas de repasses para prefeituras. Com um governo de base frágil e, portanto, sempre disposto a evitar fissuras no Congresso, os ministérios praticamente só carimbam a artimanha. Para 2025, a previsão é de que essa modalidade movimente R$ 14,2 bilhões, montante que o governo federal é obrigado a pagar desde 2019.

O desvirtuamento de propósito tem sido peça frequente da marotagem parlamentar que distorce o Orçamento público. No caso das emendas de bancada, por exemplo, como também mostrou este jornal, de 2020 a 2024 foram mais de R$ 51 bilhões distribuídos entre os Estados sem critérios técnicos na divisão dos recursos, como a população, o nível de arrecadação de impostos e indicadores socioeconômicos. O esforço para criar diques de contenção ao problema das emendas parlamentares começou em 2021, quando o Estadão revelou a existência de um sofisticado esquema de compra de apoio urdido pelo governo de Jair Bolsonaro e pela caciquia do Congresso – o chamado “orçamento secreto”.

O STF declarou sua inconstitucionalidade em dezembro de 2022, mas se descobriu que a prática seguiu firme no governo de Lula da Silva, com ministérios transferindo dinheiro para municípios sob ordens de deputados e senadores e fora do alcance de controles institucionais claros e precisos. Recentemente, o STF, em ação liderada pelo ministro Flávio Dino em acordo com os presidentes da Câmara e do Senado, impôs regras mais rígidas e exigências de maior transparência na definição e uso dos recursos do Orçamento. Como se nota, porém, o raio de ação dos cupins da República é amplo o suficiente para seguir inquietando o País, abrindo brecha sobre brecha.

Há muito o que corrigir, e não só entre os ardis do Congresso. Não é boa para o País a continuidade desse arranjo institucional degenerado que confere aos parlamentares um poder inaudito sobre o Orçamento federal sem a contrapartida da devida responsabilização.

Comentário nosso – O Estadão usa um eufemismo para se referir aos ladrões do Congresso Nacional, chama-os de cupins. Cupim come devagarinho e leva anos para destruir um pedaço de madeira. Os ladrões do Congresso da “dentada” de milhões e ficam cada vez mais ricos, enquanto os cupins continuam cupins pelos seus dois anos de vida. Contra os cupins há vários venenos, contra parlamentar ladrão só existe o voto para derrotá-lo. (LGLM)

Category: Blog

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde 09 de março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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