Combate sem trégua à criminalidade

By | 14/05/2025 7:16 am

Queda nos homicídios é alento, mas o País segue entre os mais violentos, sob a ameaça crescente das facções. A paz virá da qualificação da polícia, da justiça criminal e das políticas sociais

 

Imagem ex-librisO Atlas da Violência 2025 revela uma notícia auspiciosa: o Brasil registrou, em 2023, a menor taxa de homicídios em 11 anos – 21,2 por 100 mil habitantes, um recuo de 26,4% em uma década. É um progresso digno de ser comemorado, mas com cautela, sem complacência. Com uma taxa quase quatro vezes superior à média global, o Brasil, com menos de 3% da população mundial, responde por cerca de 9% dos homicídios e agoniza no pelotão dos 20 países mais violentos do mundo.

Além disso, o recuo dos homicídios não significa um arrefecimento generalizado da violência. O suicídio juvenil aumentou 42,7% na última década; as mortes no trânsito crescem, puxadas pelas motocicletas; e as discrepâncias regionais e demográficas persistem. Enquanto São Paulo, por exemplo, teve uma taxa de 6,4 homicídios por 100 mil habitantes – inferior à dos EUA –, Estados do Norte e do Nordeste voltaram a registrar alta. Em 2023, o Amapá registrou 57,4 homicídios por 100 mil habitantes; a Bahia, 43,9.

É verdade que alguns Estados vêm colhendo frutos de políticas públicas que combinam inteligência, repressão e integração entre forças de segurança. São Paulo, Minas Gerais, Distrito Federal e Rio Grande do Sul, por exemplo, têm conseguido, com métodos distintos, manter quedas sistemáticas nas taxas de homicídios. O Espírito Santo reduziu quase a zero os chamados homicídios ocultos integrando sistemas de informação entre polícia e saúde.

Mas nenhum desses avanços será duradouro se o País não enfrentar o fenômeno mais grave do nosso tempo: a expansão e sofisticação do crime organizado. Facções como o PCC e o Comando Vermelho operam como cartéis transnacionais, com conexões internacionais, infiltração política e ramificações no mercado legal, controlando territórios, intervindo em eleições, cooptando servidores, participando de licitações e operando redes de tráfico de drogas, armas, ouro e madeira – muitas vezes sob a fachada de ONGs ou associações civis. Pedaços do Brasil, seja em metrópoles como o Rio de Janeiro, seja em regiões como a Amazônia, estão se transformando em enclaves próximos de narcoestados.

No Norte e no Nordeste, em especial na faixa amazônica, cresce um ecossistema do crime que combina mineração ilegal, tráfico internacional e grilagem com alto poder de fogo. Diante desse quadro funesto, a flutuação das taxas de homicídio muitas vezes reflete não a eficácia do Estado, mas os humores das facções. Tréguas circunstanciais motivam quedas nas mortes, mas disputas por rotas ou mercados podem fazer a violência explodir a qualquer momento.

A resposta deve ser sistêmica. Há bons exemplos no continente. A abordagem de dissuasão focada, testada no México, mostrou que é possível conter a violência letal ao concentrar esforços nos indivíduos e redes mais violentos, ao invés do encarceramento em massa. Em Medellín, o uso combinado de inteligência, inclusão social e urbanismo reduziu significativamente os homicídios. No Brasil, esforços de maior integração federativa, como a PEC da Segurança Pública, são um passo necessário. A proposta de legislação antimáfia, inspirada nos modelos italiano e americano, também representa avanço: ela trata de forma diferenciada organizações infiltradas na estrutura do Estado e fortalece instrumentos de asfixia financeira e cooperação interestadual.

Mas nenhum desses instrumentos funcionará sob os vícios de sempre. À direita, a tentação autoritária que aposta no populismo penal e na truculência. À esquerda, a leniência que reduz o crime a mero sintoma da desigualdade que marca o País. A experiência internacional mostra que repressão eficaz e respeito aos direitos humanos não são incompatíveis – são indispensáveis. Precisamos de uma polícia forte e responsável, Justiça célere e confiável e políticas sociais que ampliem oportunidades e enfraqueçam o apelo do crime.

O copo não está “meio cheio”. Está menos vazio, mas ainda longe de saciar a sede de paz dos brasileiros. A redução dos homicídios é real, mas frágil. Celebrá-la é justo; acomodar-se diante dela, irresponsável. A civilidade só virá com vigilância, inteligência e coragem política para enfrentar os verdadeiros donos da violência no Brasil.

Category: Blog

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde 09 de março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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