Decisão da Câmara sobre Ramagem afronta a Constituição, o STF e o sistema de freios e contrapesos

By | 12/05/2025 6:43 am
Imagem ex-librisA harmonia entre os Poderes, base de funcionamento de uma democracia digna de um Estado de Direito, enfrentará mais um duro teste de estresse no Brasil durante as próximas semanas, quando se conhecerão os desdobramentos de uma escandalosa decisão tomada na quarta-feira pela Câmara dos Deputados. Um total de 315 deputados federais de 15 diferentes partidos, com rito sumário garantido pelo presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), decidiu confrontar explicitamente o Supremo Tribunal Federal (STF) e aprovar uma resolução que suspende a ação penal contra o colega Alexandre Ramagem (PL-RJ) por tentativa de golpe de Estado. Menos de 48 horas depois, a Primeira Turma do STF, onde tramita o caso, já havia reagido e formado maioria para derrubar a manobra. Resta ver a contrarreação do Congresso.

Ramagem é o único parlamentar réu na ação da trama golpista de 2022. Mas o deputado bolsonarista foi só o pretexto da iniciativa destinada a favorecê-lo. O que se pretendeu na verdade foi abrir brecha para tentar atingir todo o processo relativo à intentona golpista frustrada e, com isso, beneficiar também o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros réus. A parcela da Câmara que ajudou a aprovar a resolução sabe, no entanto, que ela não se sustenta diante do que diz a Constituição e o STF. Por isso, a única motivação dos parlamentares é provocar os ministros do Supremo e compor o arsenal de vitimização dos liberticidas.

Consagrado na teoria da separação dos Poderes, o sistema de freios e contrapesos nunca foi tão importante e ao mesmo tempo tão frágil no Brasil. Nele se sustenta a ideia de que Legislativo, Executivo e Judiciário terão mecanismos para evitar que um dos Poderes esteja acima dos demais. O problema é que, por aqui, os Poderes costumam abusar de suas prerrogativas a pretexto de que precisam conter os abusos de outro Poder. Ou seja, cria-se um círculo vicioso de extrapolação de competências e de confronto, muito longe do modelo harmônico inscrito na Constituição.

Um STF insatisfeito com a suposta inércia do Congresso avança sobre pautas legislativas. O Congresso, reagindo a esse erro, responde com outros, embutindo matérias na Constituição ou promovendo sua própria interpretação da lei. Enquanto isso, o mesmo Congresso acumula poderes sobre o Orçamento, avançando em prerrogativas que seriam do Executivo. Este, por sua vez, busca nos ministros togados o apoio que lhe falta no Congresso. A aprovação, pela Câmara, de um projeto que se presta a livrar da cadeia um bando de golpistas é parte dessa disfuncionalidade – para a qual o Supremo, enfatize-se, colabora decisivamente, ao julgar réus sem foro por prerrogativa de função e ao conduzir processos e investigações intermináveis a pretexto de salvar a democracia.

No dia 24 de abril, o ministro Cristiano Zanin, presidente da Primeira Turma do STF, enviou ofício à Câmara, destacando a competência dos deputados para analisar apenas os crimes que Ramagem teria cometido após a diplomação, e somente em relação ao parlamentar. Foi esse o entendimento do STF para o artigo 53 da Constituição. Zanin reforçou também o que diz a súmula 245 do Supremo, na qual se define que a imunidade parlamentar não pode ser estendida a outros réus na mesma ação penal, não beneficiando, portanto, Bolsonaro e seus ex-ministros. Com isso, a Câmara poderia suspender apenas dois dos crimes atribuídos a Ramagem na ação penal – justamente aqueles ocorridos em 8 de janeiro de 2023. E decididamente não poderia se intrometer no andamento da ação contra outros réus.

O texto aprovado pela Câmara, no entanto, ignora tais entendimentos e o aviso prévio do STF. Os deputados sabiam que a decisão seria inócua e objeto de revisão pelos ministros da Corte. No cálculo oportunista dos bolsonaristas e daqueles acostumados a arquitetar vinganças contra o Supremo, é exatamente isso o que se busca: provocam o STF a reagir, realimentando o discurso bolsonarista de que se está diante de um processo arbitrário, destinado a tirar Jair Bolsonaro das urnas em 2026 – a narrativa preferencial da habitual vitimização do ex-presidente.

Resta ao Brasil perceber a inutilidade da esperteza bolsonarista, e ao Supremo, assumir o ônus de contê-la mais uma vez.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde 09 de março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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