Relatório devastador da ONU comprova que a ditadura no país protagoniza ‘uma das mais agudas crises humanitárias da história recente’, mas nem assim o petista se incomoda
No período que antecedeu à recente campanha eleitoral presidencial, entre dezembro e março, ao menos 48 pessoas foram detidas por “golpismo”, incluindo militares, ativistas de direitos humanos e jornalistas. Em julho, mês das eleições, foram 120. Na primeira semana após as eleições, foram 2.000, incluindo mais de 100 menores de idade, algumas com deficiências, acusadas de “terrorismo” e “incitação ao ódio”. Pelo menos 25 pessoas foram executadas, a maioria jovens pobres, incluindo duas crianças.
“Todas as detenções ocorrem sem mandato, não se identifica a força que detém as pessoas, não se diz aonde são levadas”, e elas “tampouco podem designar advogados”, diz o relatório. Muitas foram submetidas a estupro e torturas com choques elétricos, espancamentos ou sufocamento com sacos plásticos.
Os investigadores denunciam um “marco na deterioração do Estado de Direito”. As autoridades públicas “abandonaram toda a aparência de independência”. O Conselho Nacional Eleitoral violou a Constituição ao não publicar as atas das eleições, limitando-se a confirmar a “vitória” do ditador Nicolás Maduro. O Ministério Público expede ordens de prisão em massa com base tão somente em vídeos em redes sociais e acusações vagas de “terrorismo”. O Judiciário valida esses métodos e forja mecanismos de criminalização da oposição. O Legislativo está fabricando uma legislação “antifascista” que permitirá ao governo prender quem quiser.
Embora o rolo compressor sobre os direitos humanos dos venezuelanos “tenha atingido níveis sem precedentes”, o dossiê deixa claro que essa é apenas uma “continuação de padrões anteriores” exaustivamente documentados.
Nada disso, portanto, era novidade quando, em maio de 2023, o presidente Lula da Silva estendeu um tapete vermelho a Nicolás Maduro, denunciando que o regime chavista é “vítima de uma narrativa de antidemocracia e autoritarismo” e convidando seu companheiro a construir uma narrativa “infinitamente melhor”, que obrigaria “os nossos adversários” a “ter de pedir desculpas pelo estrago que fizeram”. A alusão era às sanções – aplicadas não só pelos EUA, mas por União Europeia, Canadá e até o México –, que, na lógica de Lula, são culpadas por todos os males da Venezuela. Mesmo quando Lula, em lapsos de improviso, confessa que o regime é “desagradável”, nunca se esquece de falar grosso contra “os nossos adversários”.
Deve ter sido um alívio para seu chanceler de facto, Celso Amorim, quando Edmundo González, que todas as evidências apontam ter sido eleito presidente da Venezuela com mais de dois terços dos votos, recebeu asilo da Espanha. À época em que foi expedida sua ordem de prisão por “crimes de guerra”, Amorim chegou a dizer que “não aceitamos presos políticos”. Agora ele pode voltar a encenar a farsa e ignorar os milhares de presos nos calabouços chavistas. Com esse cinismo repugnante, o Brasil se negou na semana passada, junto com China, Rússia e companhia bela, a assinar uma resolução da ONU pedindo a “restauração das normas democráticas na Venezuela”.
Lula usou e abusou da justa fama de Jair Bolsonaro de “pária” internacional, especialmente em relação ao meio ambiente. Mas nunca se viu nada parecido com sua complacência com as ditaduras esquerdistas. O próximo capítulo dessa espiral de degradação da diplomacia brasileira acontecerá logo mais em Nova York, às margens da Assembleia Geral da ONU, quando Lula pretende ser o mestre de cerimônias de uma cúpula intitulada Em defesa da democracia: lutando contra o extremismo. O mundo testemunhará o chefe de Estado brasileiro lutando contra as evidências produzidas pela própria ONU para fingir que “extremismo” só existe na direita, ao mesmo tempo que condescende com as tiranias mais sangrentas da América Latina.